sexta-feira, 25 de setembro de 2020

O aperfeiçoamento de Flaubert

O aperfeiçoamento de Flaubert

Na verdade, este texto não é sobre o aperfeiçoamento de Flaubert, mas sobre a possibilidade de auto aprimoramento de cada um de nós.

A devoção que a flor de lótus recebe na cultura hindu, aparecendo em muitos contos mitológicos e gravuras, se deve em boa parte ao exemplo de auto aperfeiçoamento que ela dá. Suas raízes nascem cravadas ao lodo fétido, e é desse lodo que ela extrai os elementos para externalizar uma flor colorida e perfumada.

Hoje usarei a Literatura para me explicar, pois ela é um excelente analisador de fatos, pois trata daquilo que não se vê, do que não é evidente, do que não se pode medir, mas que foi captado por pessoas mais sensíveis que percebem antes as mudanças do mundo.

Li livros importantes, fiz oficinas de escrita, publiquei alguns contos em meu blog, mas não me considero um profissional de Literatura. O que direi aqui é fruto dos meus estudos, especialmente porque o Marne, meu professor de literatura, amava Flaubert.

 

“Madame Bovary c’est moi”

Talvez esta seja uma das mais famosas frases saídas da boca de um escritor e quem a disse foi Gustav Flaubert. Quando Flaubert apresentou aos seus amigos as primeiras versões da sua obra-prima, Madame Bovary, eles aconselharam-no a largar a carreira de escritor.  Entretanto, o teimoso Flaubert estava convicto de que sua história valia a pena ser contada.

Nas primeiras versões de Madame Bovary, Emma Bovary a personagem principal, era uma beata, uma personagem descrita de forma rasa e que pouca empatia gerava com os leitores. Após incessantes correções, Bovary tornou-se a primeira adúltera da Literatura Mundial. Entre um rascunho ridicularizado até uma obra imortalizada há uma distância quase infinita. Um nível de aprimoramento alcançável apenas aos obstinados.

Flaubert era um perfeccionista, passou 5 anos procurando “le mot juste” (a palavra precisa)  para cada linha do seu livro. Passeava pelas ruas de Paris entoando frases em voz alta de Madame Bovary para analisar a métrica e o ritmo das palavras dentro do texto. Revisava incessante mente seu texto “Hoje ganhei meu dia, escrevi mais um parágrafo.” Anotava nas cartas que escreveu aos seus familiares.

A publicação de Madame Bovary aconteceu em capítulos num jornal parisiense, durante dois meses e meio. Quando a história terminou, Flaubert teve que responder um processo por atentado ao pudor. Dispensou o advogado e escreveu sua própria defesa. Absolvido, juntou os capítulos e publicou sua primeira edição com vendas esgotadas.

Madame Bovary marcou a Literatura, pois Flaubert teve a coragem de mostrar um mundo onde nada é perfeito. Onde há traições e vontades ocultas, embora no discurso a maior parte das pessoas negue. Hoje em dia isto parece até mesmo clichê, mas na França de 1857 poderia levá-lo a cadeia. “Esta Madame Bovary não possui virtudes” dizia uma parte da acusação.

A intensidade com que Flaubert se envolveu com sua personagem foi tamanha que quando escreveu a cena em que Emma se envenena, Flaubert parou no hospital com sintomas de envenenamento. Quando perguntado quem era Emma Bovary ele respondeu com frase imortal

“Madame Bovary c’est moi”

“Eu sou Madame Bovary”

O que imortalizou Flaubert na História é ter dado um dos passos mais importantes da Literatura. A Literatura começa com os gregos e suas Odisséias. Shakespeare traz o drama dos Deuses para a vida real. Só que até Flaubert, havia um certo maniqueísmo na narração das histórias, uma eterna luta entre o bem e o mal, entre Hamlet X seu tio traiçoeiro, entre santos e diabos. Podemos dizer que a Literatura tinha apenas dois plano e Flaubert tridimensionalizou os personagens. Tal como a vida real, ninguém em seu conto é completamente bom e tampouco totalmente ruim. Flaubert abriu os olhos do mundo para a complexidade humana, com suas variáveis infinitas e reações inesperadas. Sim, poderia uma mulher com uma vida aparentemente perfeita trair seu marido fiel!

O processo de pegar o rascunho e melhorá-lo até que se torne um livro eterno é opção de cada um. Claro que nenhum samádhi levará o Homem à perfeição. Podemos sim, polir nossas atitudes, melhorar nossas reações, viver de maneira a nos preencher do que queremos e merecemos. Isto precisará de certo esforço, quem sabe 5 anos dizendo aos ares aquilo que se quer.

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